ABORDAGENS DESCRITIVAS E ABORDAGENS
NORMATIVAS
Exemplos das abordagens que procuram destacar a argumentatividade
podem ser encontrados na perspetiva da
análise do discurso e nas suas
metodologias.

Há duas orientações principais no modo de proceder a uma análise do
discurso em termos argumentativos: a abordagem
descritiva e a
abordagem
normativa. A primeira centra-se essencialmente na captação
dos mecanismos, estratégias e critérios utilizados para dar força ao
discurso; a segunda tem como finalidade última proceder a uma avaliação
crítica dos argumentos e apresenta-se essencialmente ligada ao
pensamento crítico (teste dos padrões propostos). Por exemplo, partindo
da ideia de que a escolha das palavras e a sequenciação dos enunciados
nunca é uma atividade neutra (
contrapondo-se aqui a
argumentatividade à neutralidade
), pode destacar-se o modo como
são utilizadas certas palavras, enunciados e conexões entre enunciados de
modo a orientar o discurso. De um ponto de vista estritamente linguístico,
andamos sempre de palavras em palavras e o significado das palavras
remete, em feixe, para outras palavras. Nesta perspetiva da
argumentação é fundamental o
par implícito-explícito.
Pode também ver-se como é que a formulação do discurso visa produzir
influência e de que modo procura dar-lhe força. Aqui, a argumentação é
encarada do ponto de vista da análise do discurso e debruça-se
essencialmente sobre o modo como uma instância de locução age através
dos meios verbais sobre
um interlocutor ou um auditório. Estas
análises são descritivas.

Mas pode também encarar-se uma argumentação a partir dos raciocínios
que nelas são postos em jogo e proceder-se a vários tipos de avaliação; a
incidência, neste caso, vai para a
estrutura formal dos raciocínios (forma
lógica) e para a sua estrutura informal (e aqui o teste irá incidir sobre os
modos de argumentar, ou seja, sobre aquilo que Toulmin chamou
garantias e reforços). Esta análise é normativa e tem como objeto a
validade (formal) e a aceitabilidade (informal) dos raciocínios.

Mais complexa é a perspetiva que faz uma síntese entre as visões
descritiva e normativa
, colocando a tónica, e o ponto de partida, na
interação. O seu pressuposto descritivo é a presença de um discurso e de
um contradiscurso em torno de um
assunto em questão. O seu
pressuposto normativo é que cada um dos participantes invocará e
procurará fazer prevalecer critérios de avaliação. Deste ponto de vista
pode dizer-se, com Plantin, que a regra do discurso de um está no
discurso do outro.

Refira-se ainda que, numa perspetiva descritiva, as noções de razão e
de razoabilidade
são consideradas de uma forma muito diversa. Para a
perspetiva linguística a argumentação não é uma questão de razão ou de
razoabilidade, mas algo que deve ser compreendido exclusivamente a
partir do funcionamento da língua e da coerência enunciativa. Aliás, nesta
perspetiva, a questão da argumentação como atividade racional ou
razoável nada tem a ver com o logos, antes remete para a questão do
ethos ou imagem de si. Também para o ponto de vista da argumentação
no discurso, a razão ou a razoabilidade é algo que reside na própria opção
de usar meios discursivos para tratar assuntos como forma alternativa ao
uso da violência, uma forma das pessoas se entenderem (quanto mais não
seja porque elegem meios verbais) sem estarem de acordo. Não se trata
aqui de dizer que não há critérios nem recurso a normas mas, apenas,
enfatizar que
elas não são universais e têm de ser vistas caso a caso.
Já para a perspetiva normativa, cuja finalidade última é proceder a uma
avaliação das argumentações, há a tendência para se estabelecerem
regras universais e ideais em função das quais as práticas concretas
devem ser avaliadas. É em função delas que terá sentido falar de razão ou
de razoabilidade. A classificação geralmente usada para traduzir os
defeitos do raciocínio é o termo «
falácia», ainda que este conceito seja
concebido de diferentes maneiras, ou seja, surja em função do quadro
teórico normativo proposto. A abordagem normativa apresenta-se, assim,
como
corretiva e ortopédica das argumentações tal como elas se
apresentam na realidade, propondo-se assinalar como deveriam ser em
função de normas, regras ou códigos de conduta.

Finalmente, e de um ponto de vista interacionista, a acusação de «falácia»
é vista como
uma forma de contradiscurso e a racionalidade de um
discurso está intimamente ligada à assunção de perspetivas e às seleções
que enquadram o que cada um pensa ser o modo
apropriado de se
abordarem os assuntos. A apresentação de razões significa, aqui, justificar
o que se pensa e o modo como se pensa por oposição a outros modos de
pensar e não, meramente, o suportar ou fundamentar proposições. Neste
sentido, é sempre possível reconhecer que um argumento é válido e bom,
mas que a perspetiva não é grande coisa.



Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
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