ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
Trata-se de uma teorização da argumentação desenvolvida pelos linguistas
franceses Jean-Claude Anscombre e Oswald Ducrot.

Situados numa tradição estruturalista que procura explicar o
funcionamento da língua sem recorrer a qualquer tipo de elementos que a
ela são exteriores, esta teoria afirmará que é constitutivo dos enunciados
e da sua articulação um modo de significação que consiste em
orientar
para
. É neste sentido que considera que todo uso da língua é
argumentativo: indica uma direção,
projetando idealmente o
seguimento do discurso
.

A teoria desenvolvida em torno da intuição de que o uso da língua, ou
seja, o discurso, «impõe à atividade da argumentação constrangimentos
específicos que não encontram explicação nas condições lógicas ou
psicológicas da demonstração» (1997: 5), levou os teóricos da
argumentação na língua (abreviadamente, ADL, do francês Argumentation
dans la langue) a debruçarem-se sobre as
palavras vazias que servem
para ligar enunciados, como, por exemplo,
portanto, logo, mas, etc.. A
estes elementos de articulação entre dois enunciados chamaram
«
conectores» e atribuíram-lhe uma valência argumentativa na medida
em que são linguisticamente condicionadores da sequência do discurso.
Assim, o enunciado «este restaurante é bom, mas caro» remete para a
sequência «não vamos», tal como o enunciado «este restaurante é caro,
mas bom» remete para a sequência «vamos». Ou seja, a formulação
linguística e o operador argumentativo «mas» condiciona e torna
expectável a sequência do discurso, sendo que se pode dizer que a
argumentação está na língua.

No entanto, e numa segunda fase, esta teorização centrou-se, para além
da articulação dos enunciados, no próprio uso das palavras consideradas
como
topoi. A escolha da palavra «caro» é desde logo argumentativa na
medida em que, longe de descrever uma qualidade objetiva do
restaurante, procede a uma classificação que remete para a sua
consideração em termos das significações que estão associadas a essa
palavra. Neste sentido as próprias palavras podem ser vistas como
feixes
de topoi
 e a relação com o aquilo a que comummente são associadas faz
com que a sua significação seja uma forma de orientar.

Os desenvolvimentos mais recentes desta teoria, realizados conjuntamente
por Marion Carel e Ducrot, centram-se na teoria dos blocos semânticos
(TBS) e valorizam essencialmente a noção de
encadeamento discursivo.
A ideia é a de que a conexão de proposições num enunciado (como por
exemplo «conduzes demasiadamente depressa, arriscas-te a ter um
acidente») tem uma relação radical de interdependência, ou seja, as
proposições funcionam em bloco e em nada mantêm uma relação
inferencial uma com a outra, no sentido do argumento («conduzes
demasiado depressa») escorar racionalmente a conclusão («arrisca-se a
ter um acidente»). Assim, escreve Ducrot: «cada uma destas aparentes
afirmações contém, com efeito, o conjunto do encadeamento em que
ocorrem» (2004: 23). Ou seja, o argumento é portador de um valor
semântico que antecipa linguisticamente o encadeamento discursivo,
sendo este, por conseguinte, algo que deriva do próprio funcionamento da
língua e não de um
logos argumentativo, o que significa distinguir
radicalmente a argumentação
linguística da argumentação retórica.
Assim, escreve Ducrot, «a argumentação linguística não tem qualquer
relação direta com a argumentação retórica» (2004: 17), entendendo por
isso que um argumento está longe de ser uma razão ou uma justificação
para uma conclusão. Marcando essa distância, Ducrot afirma mesmo que
«as palavras não permitem nem a demonstração nem tampouco essa
forma degradada da demonstração que seria a argumentação. Esta não é
senão um sonho do discurso, e a nossa teoria deveria chamar-se antes
‘teoria da não argumentação’» (1997: 234).

A mais-valia da abordagem da argumentação na língua é a de mostrar,
por um lado, que
não há discursos neutros, meramente descritivos ou
informativos e, por outro lado, que não podemos negligenciar o uso da
língua e o seu funcionamento quando procuramos teorizar a
argumentação. Todavia, como nota Plantin «a ideia de uma competência
crítica discursiva é totalmente estranha à teoria da argumentação na
língua» (2002a: 53).







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