ESTREITAMENTO FOCAL
PPara Grize, o discurso argumentativo procede frequentemente a um
estreitamento focal que consiste em desenhar o problema
genericamente colocado através da seleção de questões que encaminham
para uma única resposta. Assim, assinala quatro movimentos neste
processo:

«a) Ponto de partida: uma descrição daquilo que se trata.
b) Por desnivelamentos sucessivos, respostas a questões abertas, logo
delimitação do campo de que se trata.
c) Respostas a questões fechadas.
d) Conclusão que decorre: a resposta que permanece» (Grize: 1986: 54).

Note-se que nesta esquematização há desde logo uma narrativa que
contextualiza «aquilo de que se trata» e que o processo de descrição
implica um movimento argumentativo essencial que é o da focalização que
à partida valoriza aquilo que circunscreve, mas cujo registo descritivo
tende a fazê-lo passar como algo de neutro, impessoal e suscetível de
gozar do estatuto de «factos» e assim beneficiar de um acordo universal.
A capacidade de focagem no que é salientado tende a colocar na sombra o
carácter seletivo que opera no seu estabelecimento e a gerar um acordo
que é simultaneamente um compromisso.

Passando esta narrativa ou descrição como um valor de entrada que
será expectavelmente aceite, o passo para as questões que se levantam
poderá então ser realizado. As
questões abertas permitem explorar
diversas vias de abordagem e contribuem até para um construção de um
ethos pluralista, mas todas elas orientam e convocam desde logo
determinados
padrões de avaliação — de facto, não há questões
inocentes ainda que haja muito inocência face à sequência implícita que as
questões, colocadas em isolamento ambíguo (como se por um momento
nada tivessem a ver com a circunstância), simultaneamente possibilitam e
dissimulam, preparando o espectro das respostas possíveis (e assinale-se
aqui a reincidência da afirmação do carácter inocente do perguntar, do ‘só’
estar a perguntar, como se o informativo fosse uma ordem dissociável do
argumentativo).

O estreitamento focal adensa-se, num processo que vai gradualmente do
geral para o específico, com o
fechamento das questões que cada vez
mais vão surgindo como perguntas que buscam respostas concretas. Ao
lidar já com perguntas e respostas torna-se mais fácil conferir uma
aparência lógica que exige a exclusão de certas possibilidades e a
prevalência da resposta que deve permanecer, a qual surgirá como algo
de «lógico».

Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015