PAN-ARGUMENTATIVISMO
As abordagens pan-argumentativistas da argumentação caracterizam-se
por considerarem que a argumentação está
a priori no discurso (cf.
Amossy, 2008: 4). Defendem, desta forma, que «comunicar as suas ideias
a alguém é sempre, pouco ou muito, argumentar» (Grize, 1997: 9). São
geralmente abordagens
semânticas da argumentação que ligam a
omnipresença do argumentativo ao facto da linguagem natural inscrever
posicionalmente o locutor que assim orienta o interlocutor para
determinadas formas de ver.

A argumentatividade surge, assim, como inerente à própria
discursividade: «a minha tese é que a argumentatividade constitui uma
característica inerente do discurso. A natureza argumentativa do discurso
não implica o uso de argumentos formais, nem significa impor uma ordem
sequencial premissa-conclusão num texto oral ou escrito. Orientar o modo
como a realidade é percebida, influenciar um ponto de vista e direcionar
um comportamento são ações desempenhadas por toda um espectro de
meios verbais. Desta perspetiva, a argumentação está totalmente
integrada no domínio dos estudos da linguagem» (Amossy, 2009b: 254).

A argumentação torna-se, assim, num ramo da análise do discurso. As
abordagens pan-argumentativas apoiam-se também numa conceção
dialógica da linguagem e consideram que o discurso é uma atividade
eivada de dialogismo e, nesse sentido, deve ser vista no âmbito mais
alargado do interdiscurso: «na medida em que toda a palavra surge no
interior de um universo discursivo prévio, ela responde necessariamente a
interrogações que frequentam o pensamento contemporâneo e que são
tanto objeto de controvérsias em boa e devida forma, como de discussões
larvares. Todo o enunciado confirma, refuta, problematiza as posições
antecedentes, sejam estas expressas de uma forma precisa por um dado
interlocutor ou de forma difusa no interdiscurso contemporâneo» (Amossy,
2006: 35).

O interesse das abordagens pan-argumentativistas é o de mostrar que o
discurso nunca é uma atividade neutra
 em termos de orientação e,
nesse sentido, tornar patente que a perspetivação é inerente à
discursividade. O problema deste tipo de abordagem é o de diluir a própria
ideia de argumentação no uso do discurso (ou mesmo, até, no próprio ato
de pensar), não a ligando a uma situação de interação entre dois
argumentadores que, numa situação dialogal, tematizam oposicionalmente
um assunto em questão.

Dito de outra maneira, se valorizam a argumentação enquanto construção
de posições através de modos de ver e de dar a ver, nem por isso ligam a
argumentação a uma situação inicial de
oposição entre um discurso e um
contradiscurso (díptico argumentativo) cuja progressão, para ser mais do
que um diálogo de surdos, tem de refletir o assunto em questão e a
tensão do discurso do outro, retomando este numa perspetiva e dinâmica
críticas.

Os processos da crítica do discurso do outro, mais do que serem
esquematizados como uma posição, devem ser vistos como emergentes de
um confronto pautado por turnos de palavra e polarizados num assunto
em questão sobre o qual os interlocutores consideram interessante
argumentar. Vão nesse sentido as abordagens
interacionistas para as
quais «a condição necessária da argumentação é a presença de oposição»
(Willard, 1989: 12) e as assunções metadiscursivas implícitas a qualquer
argumentação ou seja, e como já anteriormente referimos (cf. citação de
Willard, p. 31), a assunção recíproca da discordância, por um lado, e o
reconhecimento recíproco de que cada um dos intervenientes está a
argumentar, por outro. Uma das formas de evitar os problemas teóricos
que as abordagens pan-argumentativistas colocam é associar a
argumentação a uma
situação de conflito.



Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015