RELEVÂNCIA
A relevância é, sem dúvida, um dos principais critérios de que os
argumentadores se servem quer para construir, quer para avaliar as
argumentações. Os discursos argumentativos caracterizam-se por neles se
operar uma construção da relevância: eles procedem através de
esquematizações que operam por processos de valorização e de
desvalorização, de produção de distinções e de hierarquias e por ênfases
que focalizam certos aspectos como pertinentes, deixando na sombra
aqueles que são considerados como irrelevantes. A relevância conduz
sempre a distinguir o que é essencial do que é acessório e, dessa forma,
tende a enquadrar e a definir aquilo que «verdadeiramente» está em
questão. Mas como a relevância ou a pertinência não são critérios que
possam ser considerados, em termos de argumentação, como algo que
pode ser fixado fora do quadro da interação, podemos também dizer que
eles são uma das regras centrais do debate. Nota Angenot (2008: 150)
que «o
consenso de circunscrição e de pertinência é uma das normas
do debate no sentido em que um debate não é possível a não ser que um
enquadramento seja estabelecido e que se esteja de acordo sobre aquilo
que será a questão». Note-se, contudo, que a própria luta pelo modo de
enquadrar os termos da questão pode ser recorrente na interação, na qual
os assuntos também são desenhados. A acusação de fuga ou de desvio ao
assunto é um momento que pode comprometer a progressão da
argumentação e transformá-la num diálogo de surdos ou, mesmo,
assinalar o seu termo pelo desinteresse de um ou dos dois participantes.
Neste sentido a regra da relevância ou de pertinência é também uma
regra da própria argumentação. Diz por isso Angenot (2008: 165) que «a
regra da pertinência inclui a operação primeira, a regra do material, que
consiste, para os que debatem, em circunscrever ‘a questão’ e de a ela se
aterem, a excluir, no mesmo golpe a não-pertinência». Perelman não
deixou aliás de sublinhar a importância do acordo como condição das
argumentações. Mas podemos dizer que, mais do que o acordo explícito, a
condição da progressão da argumentação reside uma partilha tácita de
interesse sobre o assunto. No entanto, há que sublinhar, todos estas
operações de circunscrição da relevância problemática, mais do claras e
distintas, pertencem a uma zona cinzenta que permanece algo vaga e
indefinida, ainda que se revele suficientemente tangível para que os
participantes considerem poder haver uma sintonia mínima de interesses,
ou seja, por considerarem que estão na mesma «zona». De resto, os
estreitamentos focais dos assuntos em questão nunca são algo de
definitivamente estabelecido e os enquadramentos podem mudar durante
a interação. Diremos, por conseguinte, para simplificar, que a
argumentatividade discursiva implica a
construção retórica da
relevância
e que na argumentação, enquanto interação que opõe discurso
e contradiscurso, se luta por fazer prevalecer a relevância dos termos em
que se colocam as questões, se avaliam e criticam os argumentos do outro
com base na sua pertinência para «o caso» (quando se conseguiu
restringir «o caso» e foram aceites comummente os pontos de colisão) e
se confrontam conceções que axiologizam e hierarquizam a partir de
diferentes atribuições de relevância. Afinal, embora nas argumentações
comuns cada participante considere que para um assunto em questão
existem recursos que são pertinentes e apropriados — sendo, nesse
sentido, relevantes —, na prática nada define
a priori essa relevância, o
que não quer dizer que não existam aspectos práticos, ligados aos usos,
aos hábitos e aos costumes, que dotem de força persuasiva certos
aspectos em função da sua aceitabilidade generalizada e da força prática e
normativa da
doxa ou das formações discursivas dominantes. Nas
argumentações que ocorrem em sítios argumentativos institucionais o
papel do juiz ou do regulador, com o seu poder discricionário, é
justamente o de aferir a relevância, fazendo a triagem do que é pertinente
e do que não é pertinente tomar em consideração. De um ponto de vista
prático não podemos ficar eternamente a discutir regras e há que decidir
em função das que existem e às quais é reconhecida legitimidade. A
introdução da figura de juiz, que em última instância possui o poder de
decisão, altera radicalmente a argumentação comum, fazendo convergir a
prática argumentativa para as técnicas de persuasão que visam provocar
influência de acordo com o árbitro que encarna e aplica as regras do jogo.
A relevância passa então a ser instrumental e será usada como meio de
obter adesão, procurando provocar a decisão favorável, no interior de uma
ecologia racional específica e especializada. Se na argumentação comum
se pode dizer que a regra do discurso de um está no discurso do outro, a
introdução da figura do juiz (uma figura de autoridade exterior e última)
altera radicalmente a situação argumentativa: se, em termos comuns, a
sua motivação é o interesse espontâneo dos participantes, nas situações
institucionalizadas o interesse converte-se em finalidade e a finalidade
origina a tecnicização do uso da palavra.

Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015