CÓDIGO DE CONDUTA DA DISCUSSÃO
RAZOÁVEL
Os autores que falam de «código da argumentação» fazem-no a partir
de uma perspetiva normativa que pressupõe que a argumentação é um
bem social e implica cooperação para realizar a sua finalidade. É neste
sentido que Toulmin, Rieke e Janik (1984: 265-266) escrevem que «a
argumentação prática, em suma, implica os seus próprios meios especiais
de conduta humana e, portanto, o seu código de conduta. (…). Por detrás
de todas as atividades da argumentação prática está, por conseguinte, um
comprometimento implícito para com uma ética da cooperação. As pessoas
que estão preparadas para ‘serem razoáveis’ são pessoas que estão
prontas para colaborar na criação de oportunidades para chegarem a um
entendimento mútuo: ou seja, quem ouve uma argumentação tenta ver o
outro lado de qualquer caso, aceita as decisões de árbitros imparciais ou
entra em procedimentos de disputa-resolução nos quais ‘a argumentação
prática’ encontra o seu lugar e o seu uso».

Um dos critérios que distingue a razoabilidade dos argumentadores é a
sua
disponibilidade para lidarem com as afirmações e as objeções
dos interlocutores
. Os que assim procedem demonstram a sua
razoabilidade por se revelarem «abertos à argumentação», sendo aqueles
que se recusam a considerar os argumentos da outra parte «surdos à
argumentação», ou seja, não razoáveis. As abordagens que enfatizam a
necessidade de um código são visões funcionais da argumentação. Neste
sentido o código de conduta da uma discussão razoável incide sempre
sobre os
procedimentos pelos quais se devem pautar as argumentações
caso se queira chegar a uma conclusão numa perspetiva da razoabilidade.

A escola holandesa de Franz van Eemeren e Rob Grootendorst, procurando
edificar as normas pelas quais se deve pautar uma discussão razoável,
elencou dez «mandamentos»:

«1. Regra da liberdade.
As partes não devem impedir uma à outra de apresentarem as suas teses
ou de sobre elas levantarem dúvidas.
2. Regra do ónus da prova.
A parte que avança com uma tese é obrigada a defendê-la se a isso for
solicitada.
3. Regra da tese.
A parte que ataca uma tese deve ater-se à tese que realmente foi
avançada pela outra parte.
4. Regra da relevância.
As teses de cada parte só podem ser defendidas com argumentos
relacionados com as teses.
5. Regra das premissas não expressas.
Nenhuma das partes pode apresentar falsamente como premissa algo que
não foi expresso pela outra parte ou negar uma premissa que ficou apenas
implícita.
6. Regra do ponto de partida.
Nenhuma das partes pode apresentar falsamente uma premissa como um
ponto de partida aceite ou negar uma premissa que tenha sido aceite
como ponto de partida.
7. Regra do esquema do argumento.
Uma tese não pode ser considerada como conclusivamente defendida se a
defesa não o fizer através da correta aplicação de um esquema de
argumentação apropriado.
8. Regra da validade.
Na argumentação o raciocínio deve ser logicamente válido ou ser capaz de
se tornar válido através da explicitação de uma ou mais premissas não
expressas.
9. Regra do fecho.
O falhanço da defesa de uma tese deve resultar na retratação da tese
defendida e uma defesa bem sucedida de uma tese deve resultar na
retratação das dúvidas que sobre ela foram lançadas.
10. Regra do uso.
Nenhuma das partes deve usar formulações que sejam insuficientemente
claras, confusas ou ambíguas e ambas as partes devem interpretar
cuidadosamente e com o maior rigor possível as formulações da outra
parte» (van Eemeren, Grootendorst & Henkemans, 2002c: 182-183).

Como um código implica também a possibilidade de ser infringido, a
violação das suas regras é muitas vezes vista como uma
falácia: «cada
violação de qualquer das regras do procedimento de discussão por que se
pauta uma discussão crítica (seja ela cometida por qualquer das partes e
em qualquer dos estádios da discussão) é uma falácia» (van Eemeren e
Grootendorst, 2004a: 175).

À perspetiva de elaboração de um código formal de conduta e da visão
funcional das argumentações reagem certos teorizadores enfatizando que
na prática, mais do que partirmos de códigos formais e previamente
estabelecidos, os participantes numa argumentação vão co-construindo o
seu próprio contexto de interação, trazendo para ele normatividades que
entendem como relevantes. É assim que há quem defenda que a interação
argumentativa, não tendo
a priori quadros prévios que a delimitem nas
suas características e finalidades, é uma transação comunicacional
autorregulada. Para esta linha de pensamento há uma
normatividade
natural
 das argumentações que faz com que a norma do discurso de um
esteja no discurso do outro.



Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015