ÓNUS DA PROVA
O «ónus da prova» é uma expressão procedente do domínio legal e está
associada à noção de presunção. Uma acusação não deve ser uma
condenação e, por isso, face a uma acusação, a presunção da inocência do
acusado deve prevalecer até que quem acusa prove a sua culpabilidade.
Neste sentido, a situação inicial — ou seja, a inocência — deve prevalecer
sobre a acusação e a mudança de uma tal situação coloca em quem acusa
o dever de provar a culpabilidade do acusado. Diz-se, então, que o ónus
da prova incumbe a quem acusa.

A noção de «ónus da prova» foi introduzida nos procedimentos retórico-
argumentativos por Richard Whately (1787-1863) no seu livro Elementos
de Retórica. Assumindo-se que uma argumentação pressupõe
duas
partes
em confronto, dir-se-á que a parte que subscreve uma posição
geralmente aceite e considerada como normal e natural beneficia da
presunção e que à parte que pretende mudar o estado de coisas atual
incumbe o ónus argumentativo. Assim, quando fumar em locais públicos
era permitido, competia aos que queriam transformar essa situação o ónus
argumentativo. A partir do momento em que conseguiram mudar a
legislação, o ónus argumentativo passou a caber àqueles que
eventualmente queiram que volte a ser legal fumar em locais públicos. Ou
seja, os ónus argumentativos mudam consoante o estado de coisas
prevalente.

Neste sentido o ónus argumentativo está associado ao princípio da
inércia
 que, segundo Perelman (1972: 232), «resulta de uma tendência
natural do nosso espírito para considerar como normal e racional e,
portanto, como não exigindo qualquer justificação suplementar, um
comportamento conforme aos precedentes», acrescentando ainda que «o
princípio de inércia, que transforma em norma toda a maneira habitual de
proceder, está na base das regras que se desenvolvem espontaneamente
em toda a sociedade (...). O princípio de inércia desempenha, assim, um
papel estabilizador indispensável na vida social. Isto não quer dizer que
tudo o que está deva permanecer imutável, mas que não há lugar para o
mudar sem razão: só a mudança deve ser justificada» (Perelman, 1968:
19-20).

O ónus argumentativo é importante como um princípio da dinâmica da
interação e como procedimento que determina
a quem compete a
iniciativa
. É claro que quando a argumentação é realizada em sítios
institucionais, a definição do ónus argumentativo é geralmente
determinada pelos procedimentos habituais desse lugar, pelo que a sua
definição é relativa à contingência dos locais argumentativos e à natureza
dos assuntos. Quando esta definição não é clara, acontece com frequência
que os participantes procuram passar o ónus argumentativo para a outra
parte e uma das estratégias usadas é proceder à sua inversão.

Se considerarmos, de uma forma mais geral, a força da doxa, ou opinião
dominante, poderemos dizer que àquele que a ela se opõe compete o ónus
argumentativo. De realçar, por conseguinte, que o ónus da prova é um
caso específico do ónus argumentativo. Em termos sociais, este último
está mais ligado à ideia de que «quem cala, consente», ou seja, a
ausência de oposição equivale, em termos práticos, a estar de acordo, e a
quem não está de acordo incumbe tomar a iniciativa argumentativa sob a
forma de um contradiscurso. Já o ónus da prova implica a possibilidade de
submeter a problematicidade do assunto à lógica do verdadeiro e do falso
e a submeter as conclusões obtidas por procedimentos de confirmação dos
quais retiram a sua validade.



Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
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