ARGUMENTAÇÃO
É a disciplina crítica (ou seja, organizada, controlada e problematizante) de leitura e interação entre as
perspetivas inerentes à discursividade e cuja divergência os argumentadores tematizam em torno de um
assunto em questão.

As questões de argumentação estiveram tradicionalmente ligadas a três disciplinas: à lógica, à retórica e à
dialética. A partir dos meados do século XX, nomeadamente com as obras de Chaïm Perelman e de
Stephen Toulmin, a argumentação tendeu a ser encarada como um domínio disciplinar próprio.

Na sua teorização encontramos uma quantidade assinalável de propostas, muitas das quais incompatíveis
entre si. Podemos assinalar essa heterogeneidade, que indica que não existe propriamente um paradigma
neste campo de estudos, referindo algumas das definições apresentadas.

Chaïm Perelman:
«O objeto desta teoria é o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão
dos espíritos às teses propostas ao seu assentimento» (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988, 5).

Stephen Toulmin:
«O termo argumentação será usado para referir toda a atividade de apresentar teses, desafiá-las, reforçá-
las através de razões, criticar essas razões, refutar essas críticas, e por aí em diante»  (Toulmin, Rieke &
Janik, 1984:14)

Jean-Claude e Oswald Ducrot:
«Quando falamos de argumentação, referimo-nos sempre a discursos que comportam pelo menos dois
enunciados, E1 e E2, dos quais um é dado para autorizar, justificar ou impor o outro; o primeiro é o
argumento, o segundo a conclusão» (Anscombre & Ducrot, 1997: 163).

Michel Meyer:
«ARGUMENTAÇÃO: argumentar é dar uma resposta a uma dada questão com vista a suprimi-la. O acordo
resulta desta supressão. Se o desacordo persiste é porque o interlocutor estima a questão como não
resolvida e considera que a resposta proposta não o é realmente (equivalente a: não é a boa). A
argumentação faz parte da retórica. Se é preciso fornecer um argumento, é porque a questão não pode
ser oferecida com a finalidade em branco. Ela exige uma mediação: uma resposta a uma questão serve
também de resposta a uma outra, sendo então o argumento. O argumento é uma resposta que é a razão
de uma outra». (Meyer, 2005b: 115)

«O que é um argumento senão uma perspetiva sobre uma questão? Resolver uma questão — o que é
próprio do discurso — é argumentar» (Meyer, 1982: 136-137).

Frans van Eemeren e Rob Grootendorst:
«Argumentação é uma atividade verbal, social e racional cujo propósito é o de convencer um crítico
razoável da aceitabilidade da sua tese, apresentando uma constelação de proposições que justificam ou
refutam a proposição expressa na tese» (van Eemeren & Grootdendorst, 2004a: 1).

Christian Plantin:
«Argumentar é dirigir a um interlocutor um argumento, isto é, uma boa razão, para o fazer admitir uma
conclusão e, claro está, os comportamentos adequados. Uma argumentação compõe-se de dois elementos
essenciais: um argumento ——> uma conclusão»  (Plantin, 1989: Fiche N° 2).

A argumentação é «uma forma de interação problematizante formada por intervenções orientadas por uma
questão» (Plantin, 2002a: 229).

Jean-Blaise Grize:
«Tal como eu a entendo, a argumentação considera o interlocutor não como um objeto a manipular, mas
como um
alter ego com o qual se quer partilhar uma visão. Agir sobre ele é procurar modificar as
diversas representações que lhe atribuímos, colocando em evidência certos aspectos das coisas, ocultando-
lhe outros, propondo-lhe novos e tudo isso com a ajuda de uma esquematização apropriada» (Grize, 1997:
40).

Pierre Oléron:
«A argumentação pode ser definida de diferentes maneiras. Nós adotaremos a definição seguinte: a tarefa
pela qual uma pessoa — ou um grupo — procura levar um auditório a adotar uma posição, recorrendo a
apresentações, ou asserções — argumentos — que visam mostrar a sua validade ou a sua boa
fundamentação.

Esta definição faz sobressair três características de base da argumentação sobre as quais retornaremos
adiante mais em detalhe:
1) A argumentação faz intervir várias pessoas: as que a produzem, as que a recebem, eventualmente um
público ou testemunhos. É um fenómeno social.
2) Não é um exercício especulativo, como o seriam, por exemplo, a descrição de um objeto, a narração de
um acontecimento (ainda que possamos duvidar que existam ações, mesmo verbais, puramente gratuitas).
É uma tarefa pela a qual uma das pessoas visa exercer influência sobre a outra.
3) Faz intervir justificações, elementos de prova em favor da tese defendida, a qual não é imposta à força.
É um procedimento que comporta elementos racionais; ela tem também relações com o raciocínio e a
lógica» (Oléron, 1987: 4-5).

Olivier Reboul:
«Podemos definir a argumentação como uma proposição destinada a fazer admitir outra.
Mas imediatamente temos de clarificar que esta definição tem de ser enquadrada numa oposição ao
domínio do demonstrativo e que, nesse sentido, ela se caracteriza por cinco traços essenciais:
«1. Dirige-se a um auditório. 2. Exprime-se numa linguagem natural. 3. As suas premissas são verosímeis.
4. A sua progressão depende do orador. 5. As suas conclusões são sempre contestáveis» (Reboul, 1991a:
100).
Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015
Anthony Weston:
«Neste livro ‘argumentar’ quer dizer oferecer um conjunto de razões a favor de uma conclusão ou oferecer dados favoráveis a uma conclusão» (Weston, 1996:
13).

Josina Makau e Debian Marty:
«A argumentação é um processo de comunicação utilizado pelas pessoas para compreenderem e fazerem entender as diferentes perspetivas sobre um dado
tópico e para as ajudar a decidir como se posicionam sobre assuntos relevantes» (Makau, J. M., Marty, D. L., 2001: 81).

Philippe Breton:
«Definir o campo da argumentação implica apreender a especificidade deste ato central da vida humana (...) Três elementos essenciais permitem circunscrever
melhor esse campo:
— argumentar é, primeiro, comunicar: estamos, portanto, numa ‘situação de comunicação’, que implica, como qualquer situação deste tipo, parceiros e uma
mensagem, uma dinâmica própria;
— argumentar não é convencer a qualquer preço, o que pressupõe uma rutura com a retórica no sentido em que a esta não dizem respeito os meios de
persuadir;
— argumentar é raciocinar, propor uma opinião a outros dando-lhe boas razões para aderirem a ela» (Breton, 1998: 22).

Ronald Lee e Karen King Lee:
«A argumentação é a teoria e a prática da justificação baseada em conceções do razoável» (Lee & Lee, 1989: 6).

Charles Arthur Willard:
«A argumentação é uma forma de interação na qual duas ou mais pessoas mantêm o que constroem como sendo posições incompatíveis» (Willard: 1989: 1).
«Uma argumentação é um encontro social construído sobre as seguintes minima: eu assumo que discordamos; eu assumo que tu assumes que nós discordamos;
eu assumo que estou a argumentar e que tu concordarás que estou a argumentar; tu assumes que estás a argumentar e que eu concordo que estás a
argumentar» (Willard: 1989: 53).

Ruth Amossy:
O objeto de estudo da argumentação são «os meios verbais que uma instância de locução põe a funcionar sobre o seus alocutários tentando fazê-los aderir a
uma tese, modificar ou reforçar as representações e as opiniões que lhes são atribuídas ou, simplesmente, para suscitar a sua reflexão sobre um dado problema»
(Amossy: 2006: 37).

Blair e Johnson:
«Um argumento é um processo dialético que implica a apresentação de uma posição envolvendo a apresentação de uma proposição e a oferta de respostas a
questões relevantes para a aceitação da proposição» ( Blair & Johnson, 1987a: 56).

David Zaresfky:
«Devemos ver a argumentação como a prática de justificar decisões sob condições de incerteza» (Zarefsky,1995: 32-49).

Scott Jacobs & Sally Jackson:
«As argumentações são acontecimentos discursivos de desacordo relevante baseados na irrupção de uma rutura quanto à resposta desejada numa conversação»
(Jacobs, & Jackson, 1980: 254).

Wayne Brockriede:
A argumentação é «um processo através do qual as pessoas raciocinam o caminho que as leva de um conjunto de ideias problemáticas à escolha de um outro»
(Brockriede, 1975: 129-132).

Michael Gilbert:
«Uma argumentação é qualquer desacordo — da discussão mais polida à querela mais acesa» (Gilbert, 1997: 30).

«Uma argumentação é qualquer troca de informação centrada num desacordo declarado» (Gilbert, 1997: 104).

A partir destas definições, que de modo algum são exaustivas, podemos dizer que os estudos da argumentação se fraturam geralmente em torno de duas
formas de os abordar.
Assim, há quem assuma uma perspetiva descritiva no seu estudo e há quem se coloque numa perspetiva normativa.

Para a primeira, não há que partir de uma noção prévia de racionalidade, mas de dar conta de como é que as estratégias são efetivamente utilizadas de forma a
dar força ao discurso e às interações. Neste sentido tende a ver as regras que regem as argumentações não só como algo de emergente como, ainda, como
normatividades locais, não susceptíveis de universalização e formalização. Para estas abordagens os elementos situacionais não podem ser descartados na
consideração da força dos argumentos.

Para a segunda, a ideia é a de que as argumentações devem ser avaliadas a partir de regras que podem ser captadas formalmente através da análise de
esquemas argumentativos utilizados. Digamos que se trata de abordagens da argumentação cujo movimento parte «de cima para baixo», falando por isso em
condições gerais de aceitabilidade dos diferentes esquemas argumentativos. No entanto, como nota Amossy (2006: 19) «a abordagem descritiva, não menos que
a normativa, pretende ser um contributo para a crítica das trocas verbais consideradas na sua dimensão de interação social. (…) a análise argumentativa apoia-
se na ideia de que a aclaração de um funcionamento discursivo é também uma elucidação, se não um desvelamento, da forma como ele tenta agir sobre o
parceiro. Dito de outra forma, a análise seria ela mesma uma ferramenta crítica».

Já para as abordagens normativas a questão é sempre a das condições gerais da força de um argumento, facto que leva esta perspetiva a associar o estudo da
argumentação a uma teoria da crítica lógica dos argumentos que permita responder a essa questão.

Hoje em dia, a fratura entre estas duas perspetivas vai-se atenuando com a progressiva aceitação de que há uma normatividade natural decorrente das
práticas argumentativas e que essa normatividade é um processo autorregulado através das próprias interações argumentativas.

Uma perspectiva que vai nesse sentido é a aproximação do estudo das argumentações através da teoria do design. Caracteriza-se esta, nas palavras de
Goodwin pelos seguintes traços: «a) A característica determinante do contexto de uma argumentação está na conversa na qual, e através da qual, a
argumentação é construída. Não assumimos que o contexto venha sempre organizado em formas sociais como ‘diálogos’ ou ‘discussões críticas’. Em vez disso,
consideramos que a conversa através da qual e na interior da qual os argumentos são desenvolvidos é o meio básico por intermédio do qual as pessoas
organizam um contexto para a sua da interacção. É por isso que não esperamos dar uma explicação única e uniforme das normas da argumentação (…) mas, em
vez disso, reconhecemos diversos ambientes normativos criados pelas diversas histórias da conversa. b) Um falante desenha assim essa conversa para criar
no(s) seus(s) receptor(es) razão para responder como deseja. (…) Para o dizer resumidamente, em vez de assumir que a conversa argumentativa é funcional,
perguntamos como é que é desenhada para ter força. c) As normas da argumentação incluem aquelas obrigações (padrões, ideais, etc.) que a sua argumentação
tem de assegurar (estar à altura, convir que, etc.) para que a sua conversa tenha força. É uma estratégia comum do argumentador criar força criando um
‘terreno normativo’ local no qual a resposta que ele deseja é manifestamente obrigatória (ideal, correcta, prudente)» (Goodwin 2007a: 85).

Poderíamos também dizer que a complexidade do estudo da argumentação faz com que nesta estejam implicados processos avaliativos, não apenas de
raciocínios, mas também de
perspetivas. Ela não parte de regras aceites e inquestionadas, mas procura regrar e reforçar formas de ver e de dar a ver. A
metáfora do jogo, pensado como pressupondo um conjunto de regras que os jogadores devem respeitar, não é a mais adequada para os processos
argumentativos, nos quais se procura
modelar as próprias regras ou, no mínimo, as possibilidades de as aplicar a situações concretas. A modelação
das próprias regras é um dos elementos típicos da co-construção dos contextos das argumentações, facto que é atestado por nela não apenas se lutar pelo que
está em questão ou fora de questão, mas também pela própria forma de lidar com as questões, associando-as e dissociando-as de outras questões. Dito de outra
maneira, as argumentações são indissociáveis da
construção da relevância e de processos de valorização e desvalorização: o discurso argumentativo configura e
axiologiza e a sua ligação a uma perspetiva decorre das opções de fundo que procuram estabelecer o que é pertinente e relevante e o que não o é. É neste
sentido que as argumentações se ligam à noção de
inscrição e se articulam com os processos seletivos que estão em causa na deliberação.