ASSUNTO EM QUESTÃO
Escreve Plantin (2003a) que o assunto em questão «é a unidade
intencional que organiza o campo das intervenções e define o espaço
argumentativo. Globalmente, todos os acontecimentos semióticos que
ocorrem nesta situação têm um valor argumentativo. (…) O facto
argumentativo é algo de muito complexo, que tem a sua unidade na
intenção global (o problema) que organiza o campo do intercâmbio».

Retenha-se que a ideia de assunto em questão é solidária da
emergência de um espaço a partir do qual a confrontação de perspetivas
se torna possível e se concretiza. Trata-se de uma noção solidária de uma
conceção interacionista da argumentação na medida em que o «em
questão» não é o questionável, não corresponde a questões que se podem
colocar, mas àquilo que, ao ser efetivamente questionado, dá origem a
perspetivas cuja dissonância só é percetível pela sua referência a um
assunto comum que, sendo discutido, se revela «em questão».

Nota Crosswhite (1996: 112) que «em qualquer argumentação há um
assunto em questão e, a não ser que se possa identificar esse conflito, não
se pode criar nem entender uma argumentação». A noção de assunto em
questão é pois nuclear na compreensão do que se passa nas
argumentações vistas como processos que envolvem turnos de palavra.

Notar-se-á que, mesmo quando uma interação argumentativa se centra
numa questão bem definida (por exemplo, ser a favor da eutanásia ou ser
contra a eutanásia), a argumentação desenvolvida pelas partes
tematiza
esta questão como um assunto, ou seja, recorrendo a um conjunto de
considerandos diversos (por exemplo, a dimensão sagrada da vida
versus a dignidade da pessoa em sofrimento), configurando assim o
assunto, optando por uma certa perspetiva em detrimento de outras
perspetivas e fazendo derivar dela raciocínios, respostas e
posicionamentos.

Faz assim parte das argumentações a tematização ou o desenho dos
assuntos
 a partir de uma confrontação de discursos cujo denominador
comum é aquilo que está «em questão» e cujo interesse é partilhado pelos
participantes.

Pensar a argumentação a partir do conceito de «assunto em questão»
permite introduzir a adequação descritiva no seu estudo e inverte modos
tradicionais de a teorizar. Por um lado, descentra o estudo da
argumentação das proposições e do seu encadeamento, típica das
abordagens lógicas. Na verdade, não se trata de avaliar a verdade ou a
falsidade de proposições, mas de lidar com um
conflito de perspetivas.
Por outro, não se trata de produzir um discurso argumentado e de o
submeter a um teste crítico ou a uma análise do discurso. Não se trata,
por conseguinte, de
partir de uma questão que se coloca (ou seja,
filosoficamente considerada) e para a qual procuramos achar uma
resposta, mas sim de
tematizar uma dissensão cuja denominador
comum se explicita numa questão argumentativa, ou seja, que
emerge 
pelo facto de sobre algo em particular se registarem duas perspetivas
dissonantes.

Dito de outro modo, as questões argumentativas não são as que,
admitindo várias respostas, se revelam como discutíveis, mas as que,
sendo respondidas segundo vias de acesso que
chocam entre si, se
tornam discutidas e levam a tematizar o assunto em questão. Se alguém
propõe contratar mais um professor e se alguém se opõe a isso, o
denominador comum (o assunto em questão) é: deve ou não contratar-se
mais um professor? Esta questão, abordada argumentativamente, significa
que as partes convocarão um conjunto de considerandos que reforcem a
sua perspetiva e que eventualmente enfraqueçam a perspetiva oposta. A
questão transforma-se, por desmultiplicação de considerandos, em algo
mais lato (um assunto) e os recursos invocados para estabelecer e fazer
prevalecer uma posição em detrimento da outra surgem como argumentos
na medida em que se pretendem relevantes para a questão a tratar e
preferíveis relativamente a posições alternativas.

De notar, finalmente, que a oposição que está na origem do assunto em
questão
implica que haja posições minimamente explícitas, o que não é
frequentemente o caso nas interações comunicativas quotidianas, nas
quais a deferência, os princípios da polidez, o evitamento de situações de
conflito que podem causar danos relacionais e a ambivalência face à
autoridade e aos «autorizados» se sobrepõem ao risco de explicitar uma
posição em oposição a outras posições.

Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015