IMPLÍCITO ARGUMENTATIVO
Se, numa visão interacionista, uma situação de argumentação se
caracteriza pela presença de um discurso e de um contradiscurso, o seu
implícito argumentativo é o assunto em questão em torno da qual se
organiza a dissensão, permitindo distinguir perspetivas diferenciadas que
vão sendo tematizadas numa sequência de turnos de palavra. Notar-se-á,
também, que a interação não poderá ser dissociada da invocação e do
confronto de critérios normativos que permitem configurar e fazer
prevalecer a perspetiva de cada um dos interlocutores relativamente à do
outro.

Se, por outro lado, considerarmos que à discursividade é inerente a
perspetivação, optando por uma visão
semântico-argumentativa,
diremos que os implícitos remetem sempre para processos seletivos de
filtragem e de saliência através das quais se estabelecem posições. Neste
sentido, os discursos dos participantes têm de ser simultaneamente
interpretados quer a partir do que é dito explicitamente, quer do que
permanece implícito, seja como pressuposto ou como subentendido.

Assinale-se, contudo, que interpretar não é o mesmo que produzir um
contradiscurso sob a tensão do discurso do outro.
Numa visão retórica, que traz a primeiro plano a sociabilidade da
linguagem e a associa ao seguimento de regras, a necessidade do implícito
pode ser explicada como uma forma de evitar o contradiscurso e de poder
ser responsabilizado por algo que é sempre possível negar ter-se dito.
Trata-se, neste sentido, de deixar ao interlocutor «enfiar o barrete» sem o
locutor, se acusado, disso poder ser responsabilizado. É neste sentido que
Ducrot (1991: 4-12) afirma que «temos frequentemente a necessidade de,
simultaneamente, dizer certas coisas e de poder fazer como se não as
tivéssemos dito, de as dizer, mas de tal forma que possamos recusar a
responsabilidade da sua enunciação. (...) Na medida em que, apesar de
tudo, pode haver razões para falar destas coisas, torna-se necessário ter à
sua disposição modos de expressão implícita, que permitem deixar
entender sem arcar com a responsabilidade de ter dito. Uma segunda
origem possível da necessidade do implícito deve-se ao facto de uma
afirmação explicitada se tornar, por isso mesmo, um tema de discussões
possíveis. Tudo o que é dito pode ser contradito. De forma que não seria
possível anunciar uma opinião ou um desejo sem as sujeitar ao mesmo
tempo às objeções eventuais dos interlocutores. Como foi frequentemente
sublinhado, a formulação de uma ideia é a primeira e decisiva etapa para
a sua colocação em questão. É pois necessário, para toda a crença
fundamental, trate-se de uma ideologia social ou de uma posição pessoal,
encontrar, se ela se exprimir, um meio de expressão que não a desenrole,
que não a torne num objeto assinalável e, por conseguinte, contestável.
(...) O problema geral do implícito (...) é o de saber como é que se pode
dizer algo sem contudo aceitar a responsabilidade de o ter dito, o que
significa beneficiar simultaneamente da eficácia da palavra e da inocência
do silêncio».

Esta é contudo uma posição que se revela problemática pois, como
escreve Henry (1992: 75), Ducrot «parte da ideia de que existe uma
necessidade ao mesmo tempo social e psicológica de ilusão e demagogia,
conscientemente desejadas, para fazer a hipótese de que a língua deve
necessariamente ser tal que se torne possível essa produção voluntária de
ilusão e de demagogia». A questão do implícito não deve ser apenas
colocada no plano da
intencionalidade da língua, mas enquadrada nas
condições de produção do sentido através do discurso. Ora, vista deste
ângulo, pode dizer-se que não há discursos sem implícitos. Se Ducrot
distingue entre os implícitos do enunciado (ou seja, os
pressupostos que
podem ser estabelecidos apenas com base na análise linguística) dos
implícitos da enunciação (para os quais há que convocar elementos
contextuais e que podem ser designados por
subentendidos), podemos
contudo dizer, mais amplamente, que todo o uso da linguagem implica
implícitos culturais. Gadamer (1977), por exemplo, pôs em evidência que
o uso da linguagem é inseparável de preconceitos, ou conceitos prévios
que, sendo decisivos para a inteligibilidade, não são
postos, mas
pressupostos. Pelo seu lado, Grize falou de pré-construídos culturais, ou
seja, depósitos que as representações sociais deixam na língua e que são
determinantes no feixe de possibilidades que se geram em torno do uso
das palavras (abrindo um campo de predicados).

Também os teóricos franceses da Análise do Discurso falam de pré-
construídos, de discursividade transversa e de interdiscurso. Sobre esta
última noção escreve Pêcheux (1997: 167): «o interdiscurso enquanto
discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos
discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que
fornece, por assim dizer, a matéria prima na qual o sujeito se constitui
como ‘sujeito falante’, com a formação discursiva que o assujeita. Nesse
sentido, pode-se bem dizer que o intradiscurso, enquanto ‘fio do discurso’
do sujeito, é, em rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma
‘interioridade’ inteiramente determinada como tal do ‘exterior’».

Neste sentido, o implícito não é apenas uma propriedade da língua, mas é
constitutivo da própria possibilidade de discorrer, de perspetivar e da
própria oposição de discursos, ou seja, no caso da argumentação, da
tematização de um conflito de interpretações a propósito de um assunto
em questão.

Podemos, pois, dizer que os implícitos dos discursos dos participantes são
os quadros a partir dos quais eles argumentam e cuja partilha procuram
forçar. Por isso, e se quisermos focalizar a argumentação no plano micro
do raciocínio, monologicamente considerado, é possível dizer que o
entimema é um exemplo de um raciocínio argumentativo que se
caracteriza justamente pela presença de um implícito (um dos seus
elementos não é expresso) que é tomado como partilhado e pressuposto.
Afinal, para bom entendedor meia palavra basta e, visando os
argumentadores a possibilidade prática de progressão em torno de algo
em que ambos se mostram interessados, entrar num processo de
regressão ao infinito faria diferir eternamente o que faz questão e
impossibilitaria o assunto de ser focalizado e tematizado através de
posições que assim nunca o chegariam a apropriar.


Rui Alexandre Grácio
 
VocAbulário
 
© Rui GrÁcio 2015